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Foto do escritorJ. F. de Paula F.

QUEM FOI O FUNDADOR DE COXIM?

Atualizado: 25 de out. de 2022



A equipe do projeto "Resgate e Valorização do Patrimônio Cultural da Rota das Monções" visitou a foz do rio Coxim onde discorreu sobre a primeira roça implantada pelos monçoeiros luso-paulistas na área em que hoje se situa a cidade de Coxim.


Assim como os irmãos Leme (João e Lourenço) implantaram a primeira roça em Camapuã, o comerciante e fazendeiro ituano, capitão-mor João de Araújo Cabral, ao que consta nos registros históricos, foi o primeiro fazendeiro-monçoeiro a se apossar dessas terras e montar uma roça. Seus trabalhadores foram os primeiros luso-brasileiros a se fixarem nestas paragens, outrora pertencentes a espanhola província de Itatim, e posteriormente terra dos Cavaleiros Guaicurus.


Ao mesmo tempo em que a via fluvial pelo Pardo/Camapuã/ Coxim/Taquari se tornava a rota preferencial para as minas auríferas de Cuiabá, João de Araújo montava sua roça na foz do rio Coxim, com a intenção de comercializar sua produção aos viajantes que iam ou voltavam das minas auríferas.


“Rio Quexeim abaixo (5º) – Chegamos a barra do rio Quexeim... vindo da parte esquerda entra no de Camapoão e ambos juntos no Taquari (...) e pela uma hora se passou pelo rio Jauru (...) e se passou ao por do sol pela barra do rio Taquari-mirim e se chegou a noite a roça de João de Araujo. Nestes dois dias se andariam 36 léguas. RIO TAQUARI-ASSU ABAIXO (6º).(...) se descarregaram as canoas e vararam passando-se as cargas as costas para a outra parte da roça e na mesma tarde fomos buscar pouso depois de passada a barra do Taquari-assu.(Notícia 6ª Prática – Relação verdadeira da derrota e viagem que fez da cidade de São Paulo para as minas do Cuiabá o Exmo. Sr. Rodrigo César de Meneses, governador e capitão general da Capitania de São Paulo – 1726 (In Relatos Monçoeiros – TAUNAY).


Em 1726, quando o governador Rodrigo César de Meneses passou com sua monção, a roça de João de Araújo estava em pleno funcionamento sendo capaz de abastecer o grande séquito composto por mais de 3.000 pessoas que acompanhavam o capitão-general.


“Nesta Monçaõ em que vím, compondo se a armada de trezentas, e outenta canoas, chegaraõ entre brancos, e negros tres míl pessoas, havendo fallecido muitas afogadas, e perdidas varias canoas por cauza das muitas cachoeíras, que temem sy todos os rios, e pella furiosa correnteza delles houve ||2v.|| bastantes perdas, tambem de fazenda, que geralmente chegou a todos, e eu perdi sem se poderem salvar, nem os remos, huã carregada com víveres desse Reíno (carta enviada pelo governador Rodrigo César de Meneses a D. João V, localizadas no Arquivo Histórico Ultramarino, constantes do catálogo do Projeto Resgate Barão do Rio Branco, datadas de 12 de março de 1727, na Vila Real do Cuiabá. – In FACHIN - Notícia prática e carta administrativa: testemunhos gráficos no governo de Rodrigo César de Menezes (1721-1728).


À monção do governador juntaram-se vários grupos que eram mantidos por diferentes patrocinadores. A tropa bancada pelo capitão-general era constituída por 90 pessoas, que tinham suas despesas por ele bancadas. Ao final da jornada de ida e volta às minas do Cuiabá, quando o governador pediu ressarcimento das despesas, a Fazenda do Tesouro Imperial constatou-se que, só na roça de Coxim, para manter a tropa de 90 homens, haviam sido gastos 250 oitavas de ouro.



“Na terça-feira, 16 de julho (...) embarcou sua Exc. No Porto de Aratiguava seguindo principiando viagem pelo rio Tietê até abaixo. Constava a tropa das suas canoas e das varias pessoas que quiseram ir em sua companhia que perfazia o número de 90. (Notícia 6ª Prática – Relação verdadeira da derrota e viagem que fez da cidade de São Paulo para as minas do Cuiabá o Exmo. Sr. Rodrigo César de Meneses, governador e capitão-general da Capitania de São Paulo – 1726 (In Relatos Monçoeiros – TAUNAY).


“Por ocasião da passagem de Rodrigo César de Meneses, em 1726, esse sítio vendeu mantimentos para o consumo da comitiva e tripulação dos comboios do capitão-general, 250 oitavas de ouro (HOLANDA, 1976. op. cit., p. 99. 351 Ibidem, p. 99).

Para termos uma breve noção do faturamento da roça de João de Araújo com a equipe do governador, utilizamos a referência do escritor Afonso de Taunay, que procurou estabelecer um paralelo entre os custo das mercadorias produzidas nas roças existentes ao longo da rota das monções e o os custos de seu tempo, registrando os seguintes valores:

Mão de milho de 2 a 8,5 oitavas

Alqueire de farinha de 12 a 14 oitavas

Alqueire de feijão de 10 a 14 oitavas

Alqueire de milho de 12 a 18 oitavas

Arroba de toucinho a 32 oitavas

Libra de carne de porco a 15 oitavas

Frasco de cachaça a 15 oitavas

Galinha a 3 oitavas

Dúzia de ovos de 1 a 1,5 oitavas


Considerando que uma oitava de onça de ouro correspondia a 3,585 gramas, e que foram gastos, à custa do governador, para manutenção de sua gente, 250 oitavas, sabe-se que foram gastos 896,25 gramas de ouro (um pouco menos de 1 quilo de ouro).

Estabelecendo um paralelo de comparação entre a grama de ouro cotada hoje (outubro de 2022) a R$ 284,09 (duzentos e oitenta e quatro reais e nove centavos) e a quantidade de 896,25 gramas pagos ao comércio de viveres na roça de João de Araújo (250 oitavas), chega-se a um valor de R$ 253.719,41 (duzentos e cinquenta e três mil, setecentos e dezenove reais e quarenta e um centavos) em moeda corrente.


Se estes valores correspondiam apenas aos gastos da equipe do governador, qual seria o montante referente ao abastecimento das outras cerca de 2.900 pessoas que compunham a Monção?


Ainda não se encontrou registro histórico que fale com precisão sobre o início da construção da roça de João de Araújo, mas é de conhecimento geral que se leva no mínimo em torno de 2 anos para se ter um roça produtiva desse porte, principalmente considerando ser praticamente impossível produzir milho, mandioca, abóbora e cana-de-açúcar sem uma forte cerca para impedir a ação devastadora de antas, cutias, capivaras, catetos e queixadas, como também de animais domésticos como porcos, cavalos e bois.


Assim, a roça da barra do rio Coxim coloca por terra a versão oficial de que a origem da cidade de Coxim teve seu início em 1726 ou 1729 com a iniciativa frustrada de se formar um povoado ou arraial às margens do rio Coxim.


É míster ressaltar que, embora a roça da barra do rio Coxim seja o primeiro povoamento luso-paulista registrado na área onde hoje encontra-se a cidade de Coxim, bem como a primeira sesmaria concedida pelo governo da capitania de São Paulo nestas plagas, a mesma durou poucos anos, não havendo mais registro de sua existência a partir da década de 1730, após a destruição da roça pelo ataque de nativos.


Logo abaixo da barra do rio Quexeim (Coxim), após atravessarem a cachoeira, as monções faziam pouso as margens do Taquari, em um local a que chamavam de porto Alegre. Esta paragem foi utilizada por mais de cem anos, até que em 1862 foi implantado pelo governador da Província de Mato Grosso um Núcleo Colonial denominado Beliago em homenagem ao opulento comerciante, oficial e nobre português Domingos Gomes Beliago, que residiu na Vila de Cuiabá nas décadas de 1720 e 1730).


“ARTIGO 2º - Este destacamento, cujo comandante servirá interinamente de diretor do núcleo colonial denominado – Beliago – abaixo da corredeira, na margem esquerda ou na direita do rio Taquari, como o engenheiro julgar conveniente, atendendo não só às circunstâncias mais ou menos favoráveis, que uma ou outra localidade que ofereça para assentamento de uma povoação, que fique superior ao nível das maiores enchentes, como também a necessidade de prolongar-se até aí a estrada de carro, que do município de Santana do Paranaíba vem ter a barra do rio Coxim. (Palácio do Governo da Província de Mato Grosso em Cuiabá, 25 de novembro de 1862 – Herculano Ferreira Penna).


Como resultado da passagem da monção do governador pela roça, João de Araújo foi agraciado pelo capitão-general com a titulação de suas terras, recebendo em 4 de março do ano seguinte (1727- 5 meses após a passagem da monção) a sesmaria que lhe concedia a propriedade de 3 léguas de terra em quadrado (20.978,88 hectares), as margens do Taquari, na confluência com o rio Coxim, local onde hoje situam-se os bairros Piracema, Mangabal, Nova Coxim e loteamentos do Riozinho.


À vista do grande sucesso econômico obtido com o comércio realizado com a monção, outros empreendedores resolveram se estabelecer na região, implantando em 1727, duas roças logo abaixo daquela propriedade. Quase um ano depois da concessão da sesmaria de João de Araújo, foi concedida a sesmaria de Domingos Gomes Beliago, em 31 de dezembro de 1727. È portanto equivocado atribuir a Domingos Gomes Beliago o título de “fundador de Coxim”.


Junto a concessão da sesmaria de Domingos Gomes Beliago foram também concedidas sesmarias a Luiz Rodrigues Vilares junto ao porto do Taquari e a Manoel Góes do Prado.


“Ao lado desses nomes o de um Luiz Rodrigues Vilares(...) e o de um Manoel Góes do Prado(...) assinalam o começo da ocupação de um vasto território que, povoado e cultivado traria seguros benefícios (...) João de Araújo Cabral tenha recebido a carta de sesmaria em 4 março e Domingos Beliago em 31 de dezembro de 1727.( O “segundo eldorado” brasileiro: Navegação fluvial e sociedade no território do ouro. De Araritaguaba a Cuiabá (1719 - 1838) - Marcos Lourenço de Amorim).


É importante estarmos atentos à diferenciação na terminologia utilizada para referenciar as conjunturas territoriais da época. As sesmarias correspondiam ao que chamamos hoje de fazendas, sendo as roças as suas sedes ou retiros atuais. O aglomerado de varias residências ou casas, a existência de uma igreja e pontos de comércio em uma ou mais sesmarias, constituíam os arraiais ou povoados. Na medida em que o arraial se desenvolvia, o mesmo transformava-se em vila, e a vila, por sua vez, em cidade.


Não foram encontrados registros históricos que mencionem a existência de nenhum arraial na área territorial em que hoje está a cidade de Coxim, no período compreendido entre os anos de 1730 e as primeira as décadas de 1800. É incontestável a existência de pelo menos cinco sesmarias e três roças ou sítios, no entanto não há comprovação da existência do arraial do Beliago no período áurea das navegações monçoeiras rumo as minas de Cuiabá.


Transcorreram mais de cento e trinta anos, após a concessão das primeiras sesmarias, até a criação do povoado Beliago. É portanto um grande equívoco atribuir a concessão da sesmaria a Domingos Gomes Beliago como gênese da formação da atual cidade de Coxim.


É comum nos descritivos históricos de diversos órgãos, instituições e publicações, citarem a implantação do Núcleo colonial em 1862 junto ao arraial do Beliago, enquanto o artigo 2º da norma, que criou o núcleo populacional, é bem específico, referindo-se ao núcleo colonial denominado Beliago, e não ao núcleo colonial criado junto ao arraial do Beliago.


A homenagem ao ilustre português, fazendeiro e comerciante, juiz ordinário da Vila e, posteriormente, mestre de campo das ordenanças das minas do Cuiabá, acabou por gerar, de forma equivocada, anacrônica e arraigada na mente de muitos, o mito da existência do arraial do Beliago e o falso título de Beliago com fundador da cidade de Coxim. Como afirma o ilustre historiador Marcos Lourenço de Amorim : “... O esclarecimento dessas questões é imprescindível para o entendimento dessa fase embrionária da história do município de Coxim”.


Rota das Monções: "Se o Brasil nasceu na Bahia, o Brasil cresceu por aqui.”


“Projeto Resgate, Promoção e Valorização do Patrimônio Cultural da Rota das Monções”. Fundo Estadual de Defesa e de Reparação de Interesses Difusos Lesados – FUNLES / OSC Espaço Manancial/Salt Media”.


Saiba mais sobre as Monções:

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