
A arrematação dos dízimos.
A quase mil anos antes de Cristo, o sábio Solom bem Davi afirmava o seguinte:
"O que foi, isso é o há de ser; e o que se fez, isso se fará; de modo que
nada há de novo debaixo do sol." (SOLOMOM in Eclesiaste 1;9).
Será que a afirmativa se aplica ao pagamento de propina e a corrupção de servidores públicos?
Como no presente, (conforme constatado pela operação lava-jato), será que no passado também ocorriam semelhantes situações?
Como eram tratadas essas ilicitudes no tempo das Monções, período em que o ouro brotava da terra nas minas auríferas de Cuiabá?
Como a língua portuguesa falada pelos brasileiros é muito dinâmica, alguns termos antigos acabaram por serem substituídos por outros, enquanto alguns permaneceram ao longo dos anos. É o caso, por exemplo, das operações hoje desencadeadas pela policia Federal que no tempo do império português eram chamadas de devassa.
Hoje para justificar uma ação mais drástica, usa-se a frase: “atendado contra o estado democrático de direito”. Naquele tempo dizia-se: “atentado contra o serviço de Deus e de Sua Majestade”.

Condenado ao açoite (imagem; Arquivo Nacional)
Na época das monções quando vinha a público uma ilicitude que comprometia o “real interesse da coroa” ou que dilapidava os cofres ou o patrimônio da “real fazenda de El-Rei”, abria-se uma devassa, com o objetivo de apurar os fatos, identificar possíveis culpados e puni-los (com prisão, sentenças de morte ou degredo). Muitos foram presos ou mortos por atentarem contra o “serviço de Deus e de Sua Majestade”, ou seja por estarem “ferindo o estado autocrático de direito da Coroa Portuguesa”.

Condenado a morte por enforcamento. (Imagem: Arquivo Nacional).

Sentença de morte por fuzilamento (Pintura: execução de um príncipe – Manet).
Para os crimes de “lesa-majestade”, só haveria o perdão para reinóis nobres, grandes autoridades, membros ligados a família real ou em casos específicos para os quais a coroa mantivesse real interesse. Os “da terra” (negros, nativos, mamelucos, caburés, bastardos e vadios) eram sumariamente executados como exemplo para os demais.
“Com o intuito de intimidar, sem formalidades, Rodrigo Cesar mandava
enforcar escravos, “pendurar cabeça de negros”, como dizia na sua linguagem
nada figurada. (sic)”(WASHINGTON LUIS).
“Sobre veyo a isto o matar hum negro a Seu Senhor nas lavras do
Ribeirão. Devassarão os Juizes Ordinarios, prenderão o negro, e o pronunciarão
pella culpa provada. Queria o General que o Ouvidor fizesse imforcar o negro,
dizendo que para exemplo dos mais (sic) (BARBOZA DE SÀ).

Ilustração: Execução de um escravo – Carolina do Norte – 1852 (Richard Hildreth).
A Coroa Portuguesa, no tempo da descoberta das minas de Cuiabá, através da Capitania de São Paulo, obtinha seus rendimentos fiscais através de:
a) cobrança dos quintos reais
b) cobranças de entradas de mercadorias
c) cobrança pela passagens dos rios
d) cobrança pela expedição de ofícios da justiça
e) imposição de donativos
f) os confiscos de bens
g) das arrematações privilegiadas de contratos
h) cobrança dos dízimos

A arrecadação através da imposição de donativos (Igreja Nossa Senhora do Rosário em Cuiabá – construída sobre a antiga mina de Miguel Sutil).
“Neste ano (1739) incitou o Vigário o Padre João Caetano Leite ao Povo, que contribuíssem cada hum com o que pudesse para se fazer nova Igreja Matris(...) Incitou segunda vez (1740) o Vigário ao Povo para que contribuíssem com doze vinténs de ouro por cabeça para factura da Igreja, conseguiu a contribuição de todos, com que se fés a Igreja que ao prezente existe (sic)” (Annais do Sennado da Camara de Cuiabá – 1739).”
A carga tributária asfixiante levava muitos a cometerem a sonegação e o descaminho, bem como o suborno e o pagamento de propina a servidores da coroa. Tudo era válido quando se pretendia ludibriar o fisco.
“Com este laberinto de execuçõins nos que vinhão de Povoado, para pagarem os direitos das Entradas, e com os que cá estavão pela lotação dos Quintos e dizimos dos frutos, excomunhoens em que todos se concideravão incurssos,(...) fome, e peste, que tudo ao mesmo tempo laborava; vio se o Povo tão atenuado, que dezertarão muitos para Povoado, que pelos barrancos dos Rios hião ficando mortos aos montes (sic)” (Annais do Sennado da Camarade Cuiabá – 1727).
Dentre os impostos cobrados pela coroa portuguesa estava o dízimo, que consistia no pagamento de 10% (dez por cento) dos produtos agrícolas ou frutos da terra, que era cobrado pelo governo imperial para a sustentação de seus ministros eclesiásticos.
Você deve estar se perguntando, se o dizimo era uma forma de cobrança para a manutenção da igreja, como o governo imperial português o oficializou como imposto governamental?

Poster Britânico – o cobrador de impostos.
A cobrança dos dízimos na península ibérica vem desde o período medieval, estando fortemente ligado ao processo de formação da identidade nacional de Portugal. Quando os Templários, ou Cavaleiros da Ordem do Templo de Salomão, foram perseguidos pelo rei da França, e pelo Papa, buscaram proteção em Portugal, sendo então a antiga ordem do Templo transformada na Ordem de Cristo.

Gran-mestre da ordem dos cavaleiros do Templo.
A nova Ordem, auxiliando o governo português a expulsar os mulçumanos de seu território, conquistou o direito de cobrar e ficar com o produto dos dízimos. Este processo de apoio a antiga ordem dos templários, possibilitou aos lusos tomarem a dianteira na expansão marítima, pois os freires ´tinham o conhecimento sobre a navegação do mediterrâneo bem como as informações sobre as navegação de Salomão pelo novo mundo, na exploração de ouro e riquezas minerais.
Foi firmado o acordo com infante de Portugal D. Henrique de Sagres, que os cavaleiros da Ordem Militar de Cristo receberiam como recompensa ou compensação pelo apoio dado as descobertas de além mar, o produto dos dízimos arrecadado nas novas colônias. Por isso, a bandeira da ordem de Cristo sempre tremulava nos navios portugueses na época dos “descobrimentos”.

Através do Padroado Régio, o rei executava as cobranças de doações e das taxas do dízimo da população e pagava os salários dos sacerdotes
Com a subida de D. Manoel ao trono de Portugal, por ser ele o grão-mestre da Ordem Militar de Cristo, os dízimos passaram também a pertencer a coroa portuguesa, que os destinou ao pagamento da folha eclesiástica da Ordem. Foi assim que a cobrança do dízimo no Brasil foi incorporada a lista de impostos cobrados pelo governo imperial, uma vez que os eclesiásticos eram mantidos pela administração governamental.
“Tendo sido os descobrimentos maritimos portuguezes, feitos pelo infante D. Henrique de Sagres, grandemente ajudado pelos rendimentos da ordem militar de Christo, ficaram pertencendo a essa ordem, como compensação, o producto dos dizimas nas novas terras descobertas. Com a subida ao throno portuguez de D. Manoel, successor do infante D. Henrique no grão-mestrado de Ch"risto, ficaram os rendimentos do dizimo e a este ficou a obrigação de pagar a folha ecclesiastica, a congrua dos prelados, e a dos parochos (sic)”(WASHINGTON LUIS).
“(...) o dízimo deve ser pago aos rendeiros de Sua Majestade, a quem pertencem por concessão pontifícia, como grão-mestre e administrador da Ordem e Cavalaria de Nosso Senhor Jesus Cristo” (Constituições do Arcebispado da Bahia, arcebispo D. Sebastião Monteiro da Vide - 1707)
O dízimo era pago ao governo, com a parte da produção agrícola, que os armazenava e trienalmente realizava uma concorrência publica, a ser arrematada ao maior lance oferecido. O procedimento era chamado de “arrematação privilegiada de contrato” que veio a ser o principio de nosso conhecido “processo licitatório”.

O transporte da produção agrícola por escravos (Ilustração: Debret)
Como nos dias de hoje, em que os processos licitatórios são passíveis de pagamento de propina, naquela época não era diferente. Era praxe entre os arrematantes o pagamento de algumas “obrigações” aos governantes e servidores da administração. O recurso arrecadado com os dízimos, em função das propinas, não era destinado integralmente ao pagamento da folha eclesiástica.
“Os arrematantes ou contractantes dos dízimos, como eram chamados, ficavam sujeitos a encargos e obrigações como a de pagar diversas propinas ao governador, ao juiz dos feitos, ao procurador da fazenda, aos ministros do conselho ultramarino, e de ordinaria e de munições etc,, etc. (,,,) além de 11 % do total da arrematação para a obra pia, depois de satisfeita a folha ecclesiastica.(...) Em São Paulo, do producto d'esse contracto -se tiravam os soldos do governador, seus auxiliares e secretario. (sic)” (WASHINGTON LUIS).

O cobrador de impostos de caráter duvidoso (imagem Portal R7- Milagres de Jesus https://recordtv.r7.com/milagres-de-jesus)
Além das propinas pagas nas arrematações, o produto do dízimo armazenado por longo período estava sujeito a substituições por produtos de menor qualidade, ao furto quase imperceptível pela retirada de pequenas quantidades dos sacos e balaios, aos empréstimos clandestinos e temporários para a cobrança de juros, a perca total ou parcial por sinistros, como fogo ou chuva torrencial, provocados intencionalmente para mascarar desvios e roubos.
“É verdade que defraudação havia e em grande escala e força (...) Defraudação em que tacitamente consentia a metropole, mandando que sobre ella se fizesse vista grossa. (sic) (WASHINGTON LUIS).

O dízimo real correspondia a 10% da produção da terra (Imagem – Debret)
O imposto chamado dizimo, tinha como fato gerador a produção de gêneros agropastoris. Somente em 1922 na então Republica dos Estados Unidos do Brasil, foi instituída a cobrança sobre o fator renda, desaparecendo o dízimo e surgindo o imposto de renda.
"Art.31. Lei nº 4.625 / 1922. Fica instituído o imposto geral sobre a renda, que será devido, annualmente, por toda a pessoa physica ou juridica, residente no territorio do paiz, e incidirá, em cada caso, sobre o conjunto liquido dos rendimentos de qualquer origem. (sic).

A folha de pagamento eclesiástica era paga através da cobrança do dízimo (imposto decimal)
O dízimo hoje só ocorre nas instituições religiosas, pois foi substituído pelo imposto de renda pelo Governo Federal, as arrematações e contratos foram substituídos pelas licitações e seus contratos.
E a corrupção e a opressão desapareceram? A resposta nos faz recordar as palavras de Solomon: “O que foi, isso é o que há de ser; e o que se fez, isso se fará”. Mas,enquanto vivos, continuamos sonhando: “Liberta quae sera tamen”.

O fuzilamento do Padre Roma (Líder da revolução Pernambucana de 1817).

“Projeto Resgate, Promoção e Valorização do Patrimônio Cultural da Rota das Monções. Fundo Estadual de Defesa e de Reparação de Interesses Difusos Lesados – FUNLES / OSC Espaço Manancial/ Salt Media”.
Rota das Monções: "Se o Brasil nasceu na Bahia, o Brasil cresceu por aqui.”

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