A rota das monções era o trajeto fluvial em que as expedições saindo da vila de Porto Feliz – SP partiam para a capitania de Cuiabá, ou vice-e-versa, levando pessoas e mercadorias. O transporte pelos rios era feito através de comboios de canoas, que juntas navegando, enfrentavam as dificuldades e percalços do longo curso.
Nos idos de 1780 tanto o governo Espanhol quanto o governo Português, procuravam estender ou firmar suas fronteiras limítrofes junto a província de Mato Grosso. Os desentendimentos levaram a conflitos pela posse da terra.
“Neste ano por que chegarão noticias da Europa de que as tropas Portuguesas, e Hespanholas, se achavão nas fronteiras, e vierão ordens ao nosso Ex.mo Gen.al para fortificar as fronteiras destas capitanias, expedindo ele as suas ao M.e Campo para recrutar hum avultado numero de dragoens e pedestres.” (Annais do Sennado 1797).
O conflito entre as duas nações não só retardou o trafego de algumas monções nos rios Coxim e Taquari, pois a vila de Albuquerque, próximo a foz do rio Taquari era alvo de ataque das tropas castelhanas, sendo prudente as monções que iam a Cuiabá, aguardar a vinda de expedição militar para acompanhar e defender os comboios.
“A 17 de abr.° chegou a Povoação de albuquerque o socorro inviado desta Villa ... No dia 20 fes este Comd.e marchar os destacamentos para os presidios, e no dia 21 expedio para a fazenda Camapoam o guia Joze de Arruda Botelho, a fazer recolher para esta Capitania as munçõens que vinhão de São Paulo, retardadas na dita fazenda por causa da guerra.”(João dos Santos Fer.a de Sá. Sennador. 1801)
As expedições monçoeiras á época, estavam em declínio, pois grande parte do comercio e comunicação do povoado de São Paulo com a capital da província, estava sendo feita por terra, pela estrada de Goiás, a que chamavam “caminho de terra”. Em 1822, o naturalista Saint-Hilaire registra a preferencia dos comerciantes pela estrada de Goiás, sendo a via dos rios realizada por alguns, mas principalmente pelo transporte de tropas, munições e provisões para os militares.
Com o conflito, a rota das monções (“caminho da água”) foi revigorada, pois através de canoas, tropas, armamentos, munições e alimentos que abasteciam a vila de Albuquerque, o presidio de Coimbra, o presídio de Miranda e mesmo a Vila de Cuiabá iam com grande frequência.
“Em 29 de setembro chegou a esta villa huma tropa de cento e dez besta, a qual conduzio huma parte do grande trem de guerra, que da Corte veio em comp.a de Sua Ex.a em direitura ao Porto da Villa de Santos, e dahi a esta Vila, consta est trem chegado de mais de duzentas arrobas de polvora, balas, granadas, e outros muitos petreichos relativo a artelharia, e igualmente huma grande botica, tudo por conta de S. Alteza Real. Em quinze de outubro chegou outra igual tropa com outra p.e do trem acima dito, e da a noticia de que ficava a subir da Villa do Porto Feliz huá munção com o resto do gr.de trem acima dito.” (João Gularte Pereira. 2º Vereador – 1804)
A partir de 1800 as monções reiunas, ou sejam, expedições oficiais (por conta de S. Alteza Real), enviadas sob a responsabilidade do capitão-mor das ordenanças da Vila Porto Feliz, passaram a serem registradas em uma laje de pedra junto a cachoeira Avanhadava-guassu no rio Coxim. Esta laje tornou-se no atual sítio histórico – Pedra do Letreiro Monçoeiro”.
Consta neste sitio histórico situado na Unidade de Conservação – Coxim Rio Cênico Rotas Monçoeiras, hoje catalogado e protegido pelo Instituto Nacional do Patrimônio Histórico e arqueológico – IPHAN, o registro gravado na laje de pedra de inúmeras expedições ocorridas entre os anos de 1800 a 1838. Inscrições estas, gravadas por exímios caligrafistas que registrava a data da expedição e o nome ou as iniciais dos responsáveis pelo comboio fluvial.
Ainda não foram encontradas informações se as inscrições faziam parte de incumbência oficial, para comprovar a posse do território pela coroa portuguesa como é suposto por alguns, ou se tornou fato corriqueiro entre os comandantes das expedições que queriam deixar registrado seus feitos, para a posteridade.
Em razão do litigio fronteiriço entre as duas coroas, o império português, com a finalidade de comprovar suas posses, ordenava e promovia o registro de fatos comprobatórios de suas ocupações, como determinado na Regia Provisão de 20 de junho de 1782, que determinava o registro das memorias do senado dos fatos mais notáveis ocorridos durante o ano. A inobservância da regia regra, era punida com penalidade pecuniária. O registro das memorias tornou-se uma das obrigações imposta aos vereadores da época.
“Estranho o desleixo dos vereadores segundos dos annos de 1818, 1819 e 1820, pela falta que cometerão de não escrever as memórias daquelles annos em observancia, a execução da Regia Provisão de 20 de junho de 1782... Para remediar este indisculpável descuido, mando aos oficiais do Senado da Camara, que presentemente servem, que chamamem a sua presença os vereadores segundo daqueles anos...., lhes declarem que se faz preciso por serviço de sua majestade, ... escrevão as suas respectivas memórias... sob pena de pagarem sincoenta oitavas [de ouro] para as despess do Conselho, caso não obedeçam...e na mesma pena incorrerão daqui em diante os vereadores competentes, que as não escreverem.” (Joaquim da Silva Tavares. Escrivão da cidade de Cuiabá . 1821).”
Em defesa da imposição do registro, autoridades da época invocavam a importância da ação como uma notável contribuição para as gerações futuras através da geração de conteúdos históricos.
“A exação com que os antigos Vereadores escrevião as couzas mais notáveis do seo tempo desempenhando fielmente as obrigações do seo cargo, e fornecendo materia para a história, e para muitas memorias...” (Galvão – 1826).
Se o registro histórico das monções, esculpidos na laje rochosa da “Pedra do Letreiro Monçoeiro” foi ou não imposto como obrigação aos comandantes das expedições, o fato é que por terem sido conservadas até hoje, constituem-se em um dos mais espetacular sitio histórico de nossa região, perpetuando a ação daqueles intrépidos navegadores do passado.
Transpor o salto Avanhandava-assu, no rio Coxim, dependendo do número das embarcações, levava-se horas ou dias. Neste ponto, grande parte das expedições reiunas (expedições oficiais do governo imperial luso-brasileiro e brasileiro), ocorridas no período compreendido entre 1.800 a 1831, em viagens que transportavam forças militares, autoridades administrativas, artigos militares e gêneros alimentícios e o imposto pago pelo ouro extraído, deixaram o registro de suas passagens, escritas em uma laje de pedra.
O nome Avanhandava-assu perdurou até o final das ultimas monções. Na atualidade o local é conhecido como a cachoeira do "Quatro-pé", denominação essa, em virtude da forte enchente ocorrida em 1989 que levou a ponte que interligava os municípios, ficando no local apenas os "pés" da ponte de madeira. A estrutura dos quatro pés, como nesta foto de 2000, também foi levada por uma enchente, ficando atualmente apenas as colunas edificadas na rocha.
Hoje mais de 200 anos após serem gravadas, a área constitui-se em sitios arqueológicos testemunhos das expedições monçoeiras. A área é protegida por lei e está localizada na Área de Proteção Ambiental – Coxim, Rio Cênico Rotas Monçoeiras. A região situada no limite entre os munícipios de Coxim e Rio Verde de Mato Grosso é conhecida como Pedra do letreiro Monçoeiro.
Embora o sitio arqueológico esteja sobre a proteção do patrimônio histórico nacional e de uma unidade de conservação estadual, corre sério risco de desaparecer em função da proposição de construção de uma usina hidrelétrica (PCH). A população local e a comunidade cientifica tem procurado desestimular ação, ao que os empreendedores contrapõem, afirmando que poderiam remover a grande laje de pedra e destina-la a algum museu, mantendo assim o registro intacto, ao invés de submergi-lo.
O programa Rota das Monções ao longo de mais de 25 anos tem procurado estimular o conhecimento publico dos fatos históricos que originaram a formação de algumas cidades ao longo dos rios. O programa visa a proteção do ambiente natural dos rios monçoeiros, valorizar a cultura local remanescente dos tempos antigos, assim como fomentar o estudo, a pesquisa e a proteção do patrimônio histórico, cultural, arqueológico e ambiental, buscando alternativas para a geração de renda e melhoria da qualidade de vida dos ribeirinhos, através do turismo contemplativo. Inúmeras expedições tem sido realizadas, levando turistas, autoridades, estudantes e pesquisadores, produtores culturais e estudantes, a conhecerem o sitio histórico da Pedra do Letreiro Monçoeiro.
A análise de registros históricos e das inscrições na pedra do letreiro, tem sido um caminho para revelar a vida dos antigos personagens que atuaram na rota das monções nos últimos anos da Brasil colonial e nos primeiros anos do império brasileiro.
Na atualidade, o sitio histórico do Letreiro Monçoeiro é parada obrigatória para turistas internacionais, pesquisadores, visitantes jornalistas e todos aqueles que querendo vivenciar episódios da historia do Brasil colonial, navegam pela rota das monções.
“Projeto Resgate, Promoção e Valorização do Patrimônio Cultural da Rota das Monções. Fundo Estadual de Defesa e de Reparação de Interesses Difusos Lesados – FUNLES / OSC Espaço Manancial/ Salt Media”.
Rota das Monções: "Se o Brasil nasceu na Bahia, o Brasil cresceu por aqui.”
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