Quando no povoado de São Paulo de Piratininga, chegou a noticia da descoberta do ouro na região do Coxipó-mirim, muitos deixaram seus afazer e incontinente partiram em direção as minas descobertas no longínquo sertão. Não tardaram a chegar algumas canoas que relatavam os sucessos obtidos na extração, mas quando em 1723, chegou uma grande monção com varias canoas carregadas de ouro, inclusive a que trazia os reais quintos de sua Majestade, os que até então, não criam nas conversas, achando tratar-se apenas de boatos, ficaram estupefatos com o volume de ouro extraído e transportado.
“Entrando o anno de 1723 partiu monção para povoado de bastantes canôas carregadas de ouro, em que foram os primeiros quintos que destas minas sahiram para Sua Magestade, e por conductor delles e da mais comitiva o padre André dos Santos Queiroz. Chegada esta a povoado e sabida a grande e quantiosa machina de ouro que ia e que noticiou o dito padre, cuja vóz tudo atroava, foi uma trombeta que chegou ao fim do orbe e soando a fama do Cuyabá por todo o brazilico Hemispherio, até Portugal, e ainda pelos reinos estranhos (sic)”( Annaes do Sennado da Camara do Cuyabá).
Como na maioria das histórias contadas pelo povo, falava-se apenas do sucesso em encontrar o precioso metal a flor da terra, exagerando-se os fatos, a medida em que historia era repetida e a outros transmitida.
“tanto que chegaram a dizer que no Cuyabá serviam os granetes de ouro de chumbo nas espingardas para caçar veados, que de ouro eram as pedras em que nos fogões se punham a cozer as panelas e que para o tirar não era preciso mais do que arrancar as tossas de capim e nellas vinham pegados os troços de ouro, e outras mais exagerações que chegavam a fabulosas; si bem que isto de arrancar-se capim e verem-se pegados nas raizes granetes de ouro foi visto por muitas vezes, tanto nas ditas Lavras do Sutil como nas da Conceição, que depois foi arraial(sic)”(Annaes do Sennado da Camara do Cuyabá).
Com a noticia da descoberta do segundo eldorado brasileiro, a cidade de São Paulo passou por transformação radical. O pacato povoado era o caminho obrigatório para quem desejava chegar as minas de Cuiabá. Para lá afluíram pessoas vindas de todo território brasileiro, do litoral, das minas gerais e de todas as capitanias então existentes, sem falar em lusos, hispânicos e europeus de diversas nacionalidades.
“São Paulo era o ponto obrigado de passagem para as minas de Cuyabá; para ahi convergiam forasteiros adventícios, vindos de Portugal, de Minas Geraes, de todas as capitanias do Brasil, pobres, andrajosos, carregados de dividas, sem responsabilidade e sem imputabilidade, avidos de dinheiro, sequiosos de riqueza, brutaes e turbulentos (sic)” (Washington Luís – Capitania de São Paulo).
“Divulgada a noticia pelos povoados, foi tal o movimento que causou nos animos, que das Minas Geraes, Rio de Janeiro e de toda a capitania de S. Paulo se abalaram muitos, deixando casas, fazendas, mulheres e filhos, botando-se para estes descobertos como se fôra a Terra da Promissão ou Paraizo incoberto, em que Deus pôz nossos primeiros paes.(sic)”(Barboza de Sá).
Essa enorme massa de pessoas, composta pelos mais variados tipos de pessoas, não tinham preparo suficiente para enfrentar a dureza de uma longa travessia pelos sertões inóspitos e desconhecidos de então. Não tinham sequer a expertise para sobreviver com os frutos que a terra e o que a natureza pudesse lhes oferecer.
“No fim deste mesmo anno (1723) chegaram de povoado algumas canôas divididas umas das outras, que nem sabiam naquelles tempos se juntar para virem em conserva, como hoje costumam, para se valerem uns aos outros (...) Chegaram as gentes de povoado este anno com as fazendas podres, pois não sabiam ainda toldar as canôas; morreram á fome muitos pelo caminho (sic)” (Annaes do Sennado da Camara do Cuyabá).
“ Houve comboyo de canôas em que morreram todos sem ficar um vivo, pois eram achadas as canôas e fazendas podres pelos que vinham atraz, e os corpos mortos pelos reductos e barrancos (sic) ”(Barboza de Sá).
Navegar por até seis meses, sob as mais rudes condições de sobrevivência, não era o único obstáculo para os pretendentes das minas, que navegavam sonhando com o metal dourado. Nas minas, ouro havia muito, mas o alimento se tornava a cada vez mais escasso, pois produzir alimento de forma constante e ininterrupta para a população que ultrapassavam o número de 3.000 pessoas era um gigantesco desafio.
“ faltou o milho em toda esta povoação, as gentes vivendo de montaria; não faltava quem désse um negro por quatro alqueires de milho para remir as vidas e pelo não ver expirar á fome, que todas as horas se viam ir a enterrar, principalmente dos que de novo chegaram de povoado. Não havendo ainda pescadores, nem o uso de pescar no rio Cuyabá, por acaso algum que o fazia vendia um dourado por quatro ou cinco outavas de ouro (sic)” (Annaes do Sennado da Camara do Cuyabá).
Se não bastasse as misérias da desastrosa viagem e a carência de alimentos nos povoados, a condição inóspita de vida era a condição ideal para o surgimento de doenças e enfermidades. Muitos a cada dia morriam deixando para traz, o precioso metal que a grande sacrifícios haviam conseguido.
“1724 - Correndo este anno em deante ainda com as miserias do passado, por praguejarem os milhos quasi todos os annos e serem actuaes as doenças de malinas e maleitas em todo este districto, e os que dellas escapavam ficavam opilados alguns e outros hydropicos, e todos em geral com pernas e barrigas inchadas e as côres de defuncto (sic)” (Annaes do Sennado da Camara do Cuyabá).
As misérias, no entanto não param por aí. Alguns navegantes ao longo do trajeto, eram vítimas de ações de povos autóctones, que reagiam a passagem dos mineiros por suas terras e seus domínios. Até então, não havia ocorrido um grande confronto direto com nenhuma etnia. Os ataques eram quase sempre ao estilo militar de guerrilha. Os guerreiros nativos, camuflados por entre a vegetação, atacavam os monçoeiros repentinamente e desapareciam novamente, e de forma tão rápida que poucas vezes houvera tempo para esboçar qualquer reação. Essa era uma técnica recorrentemente usada pela etnia Caiapó.
Foi então que uma monção vinda de Povoado (São Paulo), ao penetrar no pantanal do Taquari, chegando próximo a foz do rio São Lourenço, foi surpreendentemente atacada por uma horda de canoeiros Paiaguá. Pereceram naquele ataque feroz, 600 pessoas, restando
apenas um branco e um negro, que escapando com vida, puderam relatar a história.
“Anno de 1725 - Vindo neste anno gentes de povoado para estas minas, capitaneando Diogo de Souza um troço de canôas, em conserva, em que trouxe bastantes suas, com muita fazenda e escravatura; foi acommettido do gentio Payaguá, junto a barra do Xanés, onde acabaram todos os que vinham na conserva, escapando um só branco e um negro, que foram tomados por outras canôas que vinham atraz. O numero de canôas havia ser vinte com o melhor de 600 pessoas (sic)” (Annaes do Sennado da Camara do Cuyabá).
Segundo Taunay a noticia da morte dos pretendentes as minas, que navegavam na monção capitaneada por Diogo de Souza, abalou e retardou algumas monções que vinham do Povoado trazendo gêneros alimentícios para serem comercializado nas minas, agravando ainda mais a penúria que se estendia pela aurífera baixada cuiabana.
“Depois deste desastre, tornava-se natural que se interrompesse o tráfico fluvial. E assim terrível penúria reinou nas minas. Houve quem desse meia libra de ouro (224 g), por um frasco de sal. Chegou este a faltar até para os batizados!” (Taunay - Historia das bandeiras paulistas).
Como diz o ditado popular – desgraça pouca é bobagem. Além dos flagelos citados, a seca afetava a produção das roças, sendo pouca a produção de milho, feijão e mandioca. Os poucos grãos que sobravam da plantio era atacada por pássaros, principalmente por psitacídeos (periquitos e papagaios). De tempos em tempos, essa região do pantanal (até os dias atuais) é assolada por nuvens de gafanhotos migratórios que destroçam a vegetação por onde passam. Ao que tudo indica, naquele ano, houve também ação desses artrópodes causando prejuízo ás plantações e roças dos mineiros.
“E ainda por cima avultavam as aves, incontáveis, de tal modo que se tornou necessário colher as espigas de milho ainda verdes.” (Taunay - Historia das bandeiras paulistas).
Era o ano das assolações. Para piorar ainda mais a triste condição dos cuiabanos ouve a proliferação de mosquitos que infestando o arraial, dava sossego a população somente a noite quando estavam protegidos embaixo de mosquiteiros.
“Ao mesmo tempo, nuvens imensas de mosquitos invadiram o arraial, dia e noite, a ponto de só haver sossego, à noite, sob os mosquiteiros e de dia, com o agitar incessante de abanos e ventarolas”. (Taunay - Historia das bandeiras paulistas).
Como se tanto flagelo não bastasse, ouve mais uma terrível praga que passou a assolar as plantações e as casas nos arraiais. No afã de proteger a produção, os gêneros alimentícios eram depositados dentro de casas e galpões. Protegiam-se os grãos contra ação de pássaros, grilos e gafanhotos, mas não, contra ação de ratos que se multiplicaram em larga escala. Os ratos não satisfeitos em roer os gêneros alimentícios, na escassez desses, passaram a roer as roupas e o que era mais crítico, roer e perfurar os mosquiteiros. Eram tantos os ratos que até o sono da população estava sendo afetada.
“Para cúmulo da desgraça surgiram duas terríveis pragas: a dos ratos, destruidores de miIharais e feijoais, e a dos gafanhotos. O que escapava aos roedores devoravam os ortópteros! (...) Tantos os ratos que, além de devorar os mantimentos e as roupas, aos pobres moradores inquietavam de modo a lhes impedir o sono” (Taunay - Historia das bandeiras paulistas).
“erão tudo mizerias, queixas, e lamentos; (...) asim que tudo hera gemer, chorar e morrer (sic)”(Annaes do Sennado da Camara do Cuyabá.)
Ano terrível para os cuiabanos este de 1725 escreveu Taunay.
No trajeto para as minas, as canoas eram carregadas com todo o tipo de cargas. Haviam aqueles que levavam seus cachorros, outros levavam galinhas e aves domesticas em cestos e balaios. Alguns levaram até novilhas, como também alguns levaram seus gatos de estimação.
Os cachorros tinham utilidade, pois além de protegerem a propriedade de seus donos, contra os larápios, também eram muito úteis nas caçadas de animais silvestres. Galinhas, patos, porcos e novilhas eram valorizados pelo fornecimento de proteína para a alimentação. Até então os gatos, simples animais de estimação eram poucos e tinham pouco valor econômico. Com a praga dos ratos, os gatos tornaram-se de repente, um artigo cobiçado e de alto valor econômico. Quem tinha um casal de gato dentro de casa ficava livre da ação dos terríveis e numerosos ratos.
“Os viveres, que escapavam ao gentio, chegavam podres e imprestaveis.; a agricultura rudimentar sofria das inundações ou das seccas demoradas, e, principalmente, dos ratos vorazes, que se multiplicavam prodigiosamente, constituindo um verdadeiro flagello, comparavel ás pragas do Egypto. Por isso um casal de gatos custava uma libra de ouro (192$000, valor do tempo) e vendiam-se gatinhos a 20 e 30 oitavas cada um.”(Washington Luis - Capitania de São Paulo).
Taunay e Washington Luis, afirmaram ter o preço de um casal de gatos, alcançado uma libra de ouro , ou seja 459 g. Estabelecendo um paralelo de comparação entre a grama de ouro cotada hoje (outubro de 2022) a R$ 284,09 (duzentos e oitenta e quatro reais e nove centavos) e a quantidade de 459 g chega-se a um valor de R$ 130.397,31( cento e trinta mil trezentos e noventa e sete reais e trinta e um centavos) em moeda corrente.
Nos dias atuais, somente os gatos da raça americana ashera superam este valor, pois os ashera hiporalogênicos, manipulados geneticamente para não causar alergia a seus donos, pode alcançar a cifra de R$ 529.000,00 (US$ 100.000 – hoje). Vender um casal de gato “vira-lata” a mais de cento e trinta mil reais, ou troca-lo por ½ kg de ouro é com certeza algo admirável.
MONÇOES NA ATUALIDADE – RATOS NO 47º BI
Na Rota das Monções na atualidade, registra-se o fato de que nos anos 1974 a 1977, a região do então município de Coxim, motivada por incentivos financeiros concedidos aos produtores pelos bancos oficiais, pelo governo federal, cujo slogan era “plante que o João garante”, levou a uma super safra de arroz de sequeiro. A grande produção de grãos esbarrou em uma fragilidade, pois não haviam silos suficientes para armazenar o produto.
O 47º batalhão de infantaria havia sido inaugurado em 1976 sendo estruturado por apenas 1 companhia de fuzileiros. (unidade militar tipo I). Por possuir poucas viaturas, a área destinada a garagem e estacionamento de veículos era pouco utilizada. Em um acordo firmado entre o comandante e a comunidade local, foi cedida a área coberta da garagem de viaturas para o armazenamento temporário das sacas de grãos. Enormes muralhas de sacos de arroz foram então depositadas no local.
Os grãos de arroz atraíram a atenção de um grande numero de ratos que se espalharam pelo interior do quartel, causando prejuízos não só aos grãos, mas também a outros artigos da unidade militar. Para exterminar a praga que se avultava a cada dia, não era aconselhado a eliminação dos roedores com venenos tradicionais, pois os ratos mortos poderiam contaminar os alimentos ali depositados.
Não havia a época, na pequena cidade, grande quantidade de gatos domésticos como hoje (2022), que segundo estatística aproximada conta hoje com mais de 8 mil animais. Os gatos como em Cuiabá a 250 anos atrás, seriam uma saída que poderia surtir efeito, mas na ocasião não haviam tantos gatos disponíveis.
Foi sugerida então, ao comandante da unidade uma inteligente estratégia para a eliminação dos roedores. A cada 5 ratos capturados, cada soldado ganhava um dia de folga no trabalho. O aquartelamento, fora do horário de expediente, passou a ser movimentado por um grande número de praças, que no afã das dispensas de serviço, procuravam capturar o máximo de roedores possível. A ação foi bastante eficaz, pois em poucos dias, encontrar um único rato no interior da unidade militar passou a ser algo raro.
“Projeto Resgate, Promoção e Valorização do Patrimônio Cultural da Rota das Monções. Fundo Estadual de Defesa e de Reparação de Interesses Difusos Lesados – FUNLES / OSC Espaço Manancial/ Salt Media”.
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