Desde o anuncio da descoberta do ouro no Coxipó em 1719, grandes levas de pessoas saiam desordenadamente do Povoado (vila de São Paulo) seguindo pelos caminhos até Itu ao porto de Araraitaguaba as margens do rio Tietê e de lá embarcavam, de forma não agrupada, com destino as minas de Paschoal Moreira Cabral.
Não havia, a época, um trajeto fluvial preferencial, sendo que muitos subiam pelo rio Sucuriú, Verde e o Anhanduhy, descendo pelo rio Aquidauana e Miranda (Mateteú) até chegarem ao rio Paraguai. Essas regiões eram dominadas por diversas e ferozes etnias de nativos que não toleravam a invasão de seu território, principalmente por lusos-paulistas que compunham entradas e bandeiras. Neste período, muitos pretendentes às minas, morriam na viagem, vítimas desses nativos, pois não estavam preparados para o combate.
“Entrado o anno de 1720, fizeram viagem para estas minas algumas gentes divididas em diversos comboios, subindo o rio Anhanduhy, atravessando a Vaccaria, descendo pelo Mateteú, e deste pelo Paraguay acima. Padeceram grandes destroços, perdições de canôas nas cachoeiras por falta de pilotos e praticos, que ainda então não havia, mortandades de gentes por falta de mantimentos, doenças, comidas das onças, e outras muitas miserias. Não sabiam ainda pescar, nem caçar, nem o uso de toldar as canôas, que tudo lhes apodrecia com as chuvas, nem tambem dos mosquiteiros para a defesa dos mosquitos, que muitos annos depois foram a experiencia e a necessidade ensinando todas estas cousas pelo que padeceram de miserias sobre miserias os que escaparam da morte. Houve comboyo de canôas em que morreram todos sem ficar um vivo, pois eram achadas as canôas e fazendas podres pelos que vinham atraz, e os corpos mortos pelos reductos e barrancos.” (Chrônicas do Cuyabá – Joaquim da Costa Siqueira apud Barbosa de Sá).
Em 1722 dois episódios foram importantes para acelerar a movimentação pelos rios das monções. O anuncio das minas de Miguel Sutil e a implantação das roças pelos irmãos João e Lourenço Leme em Camapuã e a abertura da rota fluvial Pardo/ Sanguessuga/Camapuã/ Coxim/ Taquari, revelada pelos dois irmãos.
Óleo sobre tela – As lavras do Sutil
Nem todos que saiam navegando com destino as minas cuiabanas, conseguiam chegar ao seu destino. Uns morriam de fome, outros de doenças, outras vitimas de animais ferozes e muitos de ataque de nações nativas.
“Correndo o anno de 1722 chegou monção de povoado com maior destroço do que a passada, morrendo innumeráveis pessoas a fome e peste e comidas das onças, cujos corpos eram achados pelos que vinham posteriormente, assim como as fazendas podres, as canôas largadas pelas margens dos rios, e outros mortos dentro dos ranchos nas mesmas redes em que se haviam deitado. Chegaram, comtudo, bastantes gentes, divididas em varias conservas” (Chrônicas do Cuyabá – Joaquim da Costa Siqueira apud Barbosa de Sá).
Óleo sobre tela Zilda Pereira 1943 – Vista de Camapuã 1826.
Após a implantação das roças de Camapuã, seguindo-se a roça de João de Araújo na foz dos rios Taquari-mirim e Quexeim (Coxim), houve melhora no abastecimento de gêneros alimentícios para as monções, pois também haviam sido implantada roça próximo a barra do rio Pardo e no Cajuru, também no rio Pardo, a meia distancia de Camapuã. Foi se formando assim, uma rede comercial de produtos agrícolas com a finalidade de abastecerem as monções.
Embora no rio Taquari não houvesse mais o perigo das cachoeiras, cascatas e corredeiras e a escassez de alimentos pudesse ser suprida pelas roças de Camapuã, da foz do Coxim e da ilha da Prensa, no baixo Taquari, a presença de nativos passou a ser a maior ameaça as monções. Ao longo do médio Taquari haviam os temidos Cavaleiros Guaicuru e já na área permanentemente inundada do baixo Taquari, os terríveis nativos canoeiros, homens anfíbios do pantanal conhecidos como Paiaguá.
Carga da cavalaria Guaicuru - Debret
Os exploradores, a principio não conheciam a etnia dos Paiaguá. Não sabiam quem eram, onde moravam e o que faziam. Ao navegarem pelos pantanais, foram surpreendidos por esses nativos canoeiros, que com habilidade extrema, moviam-se pelas águas em meios aos aguapés, camalotes e vegetações aquáticas, conhecendo como poucos, a extensa rede de canais flúvio-lacustres, paleocanais, neocanais, curixos, sangradouros e baias, que compunham a área permanentemente inundada que circundava os rios Taquari, Paraguai, Porrudos (São Lourenço), Miranda e Cuiabá.
Nativos canoeiros
Procurando informações com outros nativos, souberam da imensa nação dos belicosos canoeiros que viviam na grande planície de inundação, perfeitamente adaptados ao ciclo de pulsação do pantanal, vivendo e se deslocando em canoas. Pela habilidade extrema com viviam nas águas foram considerados como “homens anfíbios do Pantanal”.
“Não se sabia que gentio hera adonde habitava, e que nome tinha, pornão ser até então o nome de paiaguoá conhecido dos antigos certanistas conquistadores destes certoens. Inquirindo-se dos índios domésticos naturais das vargens sientes das naçoens circunvizinhas, que gente seria aquela, declararão que herão Payagoás gentio de corso, que não tinham morada serta, e vivião sobre as agoas sustentando-se de montaria pelo Paragoai abaixo e pantanais adjuntos” (Annais da Câmara do Sennado de Cuiabá).
Foto:Nativo canoeiro - https://www.eusemfronteiras.com.br/
Quando o futuro Vice-Rei do Brasil, Conde de Azambuja em 1751, deslocou-se pela Rota das Monções, preocupado em organizar a defesa das novas terras conquistadas, de suas minas, e principalmente das monções que se deslocavam pelos pantanais, como habilidoso e bem preparado comandante militar, procurou entender as técnicas nativas de combate para organizar seu sistema defensivo, pois a mais de 30 anos, os nativos vinham causando grande numero de baixas entre os que iam ou vinham da região de Cuiabá e Mato Grosso.
“A terceira e última é a do paiagoá, e de quem temos recebido mais e maiores danos (...) “A sua cautela é grande, e nunca atacam tropa alguma sem que primeiro a venham vigiando muito tempo, escondem-se pelos ribeirões e sangradouros, que desembocam nos rios por onde é nossa viagem. Dalí nos espiam, e quando nos veem descuidados, saem derepente com grande gritaria e o seu empenho é molhar-nos as armas, e abordar para se livrarem do dano que delas recebem”(Conde de Azambuja – 1726).
Guerreiro Paiaguá
O número de pessoas que saiam de São Paulo para as minas era grande. Foi na verdade um dos maiores fenômenos migratórios de pessoas, ocorrido no território brasileiro. Conta-se que a vila de São Paulo foi esvaziada com a saída dos pretendentes às minas cuiabanas. No entanto nem todos chegavam ao novo “eldorado brasileiro”.
“Anno de 1725 – Vindo neste anno gente de povoado para estas minas, capitaneando Diogo de Souza um troço de canôas, em conserva, em que trouxe bastantes suas, com muita fazenda e escravatura; foi acommettido do gentio Payaguá, junto a barra do Xanés, onde acabaram todos os que vinham ns conserva, escapando um só branco e um negro, que foram tomados por outras canôas que vinham atrás. O número de canôas havia ser vinte com melhor de 600 pessoas” (Chrônicas do Cuyabá – Joaquim da Costa Siqueira)
Até então, as autoridades não haviam se preocupado em armar as monções comerciais e de transporte de pessoas, com aparato militar para repelir o ataque dos nativos. As monções compostas por aventureiros não dispunham de preparo para enfrentar os belicosos Paiaguá e Guaicuru, sendo sempre trucidadas em diversos confrontos.
Óleo sobre Madeira – Carybé 1965
Com o deslocamento do Capitão-general e governador da Província de São Paulo para as minas, Rodrigo César de Meneses, em 1725, o estado começa a organizar aparato de defesa não só da fronteira lindeira com os espanhóis, como também dos ataques dos nativos, principalmente após a destruição da monção do ouvidor Lanhas que em 1730 foi atacada pelos Paiaguá morrendo quase 500 pessoas.
Óleo sobre tela - Moacyr Freitas - Combate de Monção com os Paiaguá
“Manda me El Rey meo Senhor que passe as Minas do Cuyabá a cujo preceito não pode rezistir a minha obediencia por estar sacrificada aos seus soberanos Decretos: e como a Real Ordem Seencaminha não so a estabelecer aquelas novas Minas, mas a conquistar o Gentio barbaro que as infesta, espero que por meyo de tam importante serviso se dilatem os dominios da Real Coroa, e se descubrão novos tesouros que a enriqueção”(Carta do Capitão General Rodrigo Cézar de Meneses 1726)
Pessoas de todos os tipos deslocavam-se para as minas. Brancos, negros, pardos, mamelucos, cafuzos, caburés e nativos de diversas etnias. Homens e mulheres das mais diversas profissões, desde roceiros a comerciantes e profissionais artesanais de diversos ofícios. Poucos tinham habilidades militares capazes de enfrentar um combate direto com nativos audaciosos. Após muitos ataques e destruições, os monçoeiros foram sentindo a necessidade de terem junto, acompanhando as monções, grupamentos de pessoas hábeis militarmente, que pudessem defender a frota composta por civis, paisanos e servidores públicos.
“Anno de 1726 – (...) vindo no mesmo anno monsam de Povoado foi assaltada na madre do rio Paragoay do Gentio Payagoa, com ele se embaraçarão dois fortíssimos soldados, que merecião seus nomes letras de ouro escriptas nas azas da fama. Miguel Antunes Maciel, e Antonio Antunes Lobo parentes e naturaes da Vila de Itu. Cercado em suas canoas pela barbara fúria as oito horas da manhã, pelejarão até as duas da tarde, primeiro com armas de fogo, depois deixadas estas a espada, e perdidos todos os companheiros, e remeiros manterão eles sós a pelaja matando innumeravéis bárbaros, e ferindo outros rebatendo-lhes as lanças, e tirandolhas das mãos, em tal forma que sobre eles dous cahio todo o ferino poder, athé que renderão as vidas, deixando suficiente matéria para sobidos elogioz.”(Annais da Câmara do Sennado de Cuiabá)
Nesses ataques estava também em jogo o recolhimento anual do quintos do ouro, cobrado aos mineiros e que eram transportados através de monções. A perda do ouro da fazenda real ocasionado pelo ataque dos Paiaguá ou outros nativos, levou as autoridades a organizarem melhor as expedições, sendo então as monções de transporte dos quintos reais guarnecidas por forte aparato militar de defesa.
A primeira milícia fluvial de combatentes das Monções.
No entanto, as monções comerciais e de transporte de carga e pessoas, continuavam desguarnecidas, sofrendo com enormes perdas, uma vez que o governo da Província e o Governo imperial ainda não tinham organizado expedições militares de defesa do transporte aquaviário. Os moradores da Vila, por conta e risco, resolveram montar uma esquadra que pudesse combater os Paiaguá, antes que os mesmo pudessem atacar diretamente a vila, pois a cada dia, eram mais frequentes os ataques próximos ao povoado.
“Anno de 1731 – Temerozos os moradores desta Povoação do estrago do Gentio relatado convocarão-se a fazer huma boa esquadra para dar soporte sobre eles; elegerão por cabo ao Coronel Thomé Ferreira de Moraes Sarmento, partio desta Villa em 4 de setembro deste mesmo anno, levando por practico Antonio Leite de Moraes, Gabriel Marques, Vicente Ferreira Europeus, Simão Vaz Pulistas. Despendeo-se melhor de uma arroba de ouro na expedição tirada pelo povo; (Annais da Câmara do Sennado de Cuiabá).
A grande esquadra militar era composta por 400 militares e 80 embarcações. Para manter um contingente assalariado desses, além das embarcações, armamentos, munições e gêneros alimentícios, durante alguns meses, custou ao povo o equivalente a 14 quilos de ouro, doados com pouca satisfação.
“ Pertenderão neste anno os paizanos fazer guerra ao Payagoa a sua custa, e a seu modo, para o que elegerão cabo ao Brigadeiro Regente Antonio de Almeida Lara mandou este publicar hum bando, para que não sahisse pessoa alguma para Povoado sem que primeiro sahisse Armado contra o Gentio, registado este bando no L.º 2º dos Registoz f. 41 sahio Armada contra o Gentio digo armada no mes de Abril deste anno de 1731. Com 30 canoas de guerra, e 50 de bagage 400 homens brancoz, pretos, e pardos duas pessas de Artelharia, e dous pedreiros.1731(Chrônicas do Cuiabá).
A bandeira fluvial formada não caiu na graça do povo, quer seja pelos custos da operação paga por eles, ou pela arrogância do Coronel Thomé que evitou arregimentar os experientes paisanos dos sertões cuiabanos, levando apenas militares em sua campanha. Pelo uso de botas pelos militares o povo apelidou a milícia de “bandeira dos emboabas”, pois segundo alguns diziam, ao usarem botas com calças brancas de baeta de algodão assemelhavam-se a aves de pés emplumados (emboabas na língua brasílica). A alcunha dada aos reinóis era uma forma de manifestação de desprezo, pelos privilégios concedidos pela administração aos lusitanos.
“Chamarão a esta expedição a bandeira dos emboabas pelo pouco fructo que dela surtio, e não querer o Cabo Thomé Ferreira de Moraes Sarmento levar consigo paisanos abusando do seu uso militar parecendo lhe que nelle se encarregava todo o sabor e exforço que para o cazo se requeria. Não se lhe nega o ser homem para muito, mais a presunção o deslustrou tanto nesta impreza, que o fés servir de galhofa ao povo pelo arrojo com que partio, e frouxidão com que voltou.”( (Annais da Câmara do Sennado de Cuiabá).
O primeiro quartel fluvial móvel das monções.
Mas afinal, o governo imperial resolveu agir contra os Paiaguá e a favor de seus súditos. Em 1734 montou uma armada de Guerra, comandada por um Tenente-General para oficialmente combater os Paiaguá. Foram trazidos do povoado, 400 militares que juntos a mais 440 homens arregimentados em Cuiabá, compuseram o corpo de Combatentes. A frota naval era constituída de 28 canoas de guerra, 50 canoas para o transporte de bagagens e três balsas em forma de casas portáteis, onde se reunia o comando e até se realizavam missas.
“Anno de 1734 – Chegou a monção do povoado, e nella o Thenente General Manoel Rodrigues de Carvalho por mandante de Guerra para invadir os Payagoas por ordem de S. Majestade, e do General da cidade de São Paulo. Trazia consigo quatrocentos homens de guerra; todo o que era branco por pobre seja digo que fosse, trazia patente do General, De mestre de campo de Capitaens, tenentes, alferes, ajudantes, furriéis, sargentos e cabos de esquadra e estas patentes mandavão-se lhes entregar de embarcarem na Araritaguaba” (Annais da Câmara do Sennado de Cuiabá)
“Sahio a Armada do Porto Geral desta Villa no primeiro de Agosto deste anno de 1734” composta de 28 canoas de guerra, oitenta de bagage, e tres balças, que erão cazaz portateis armadas sobre canoas. Oitocentos quarenta e dous homens entre brancoz, pretos, e pardoz. Tudo o que era branco levava cargo e só se dezião Soldados os negroz, pardos, Indios e mestiçoz forão p.r Capelloens o Padre Fr. Pacifico dos Anjos, Religiozo Franciscano e o Padre Manoel de Campos Bicudo do habito de São Pedro com todos os paramentoz para se selebrarem Missa como o fazião dentro nas balças.” (Chrônicas do Cuiabá)
Uniformes militares da época.
Doravante, ao longo de muitos anos, ao partir ou chegar uma monção, havia sempre uma frota militar que os acompanhava até o rio Taquari, procurando inibir a ação devastadora dos canoeiros Paiaguá e dos cavaleiros Guaicuru, como cita o Vice-Rei do Brasil, quando por aqui passou:
“Como deste rio [Taquari] para diante há perigo de se encontrar o gentio cavaleiro e paiagoá, costuma as tropas nele esperar umas pelas outras, pela facilidade de se manterem caça; e dalí vão juntas em conserva das canoas de guerra, que vão sempre de Cuiabá escoltando as que saem e para conduzir as que vem.” (Relação da viagem que fez o conde de Azambuja, D. Antonio Rolim, da cidade de S. Paulo para a vila de Cuiabá em 1751.In Relatos Monçõeiros)
O treinamento dado a frota militar no pantanal pelo Capitão-General
Quando o Capitão-General e Governador da Província de Mato Grosso, Dom Rolim de Moura, chegou ao rio Taquari, encontrou as canoas de guerra, que tinham por hábito proteger as monções que iam ou vinham de Cuiabá. Ficou por aqui arranchado por alguns dias, antes de seguir viagem, aproveitando a oportunidade para treinar a tropa constituída por canoas de guerra, para melhor enfrentarem os inimigos Paiagua.
“A 29 cheguei aonde estavam arranchados os que haviam vindo nas canoas de guerra do Cuiabá (...) as quais costumam esperar naquele lugar, ou nas suas vizinhanças,(...) Constava a tal armada sutil de cinco canoas, a saber: duas propriamente de guerra, por virem desembaraçadas e sem cargas; a sua guarnição constava de 5 ou 6 homens cada uma, e 24 espingardas atacadas com bastardos ou perdigotos; as outras duas levavam também alguns homens, fora os remeiros, e algumas armas, e juntamente mantimentos com o que não ficam tão capazes de se baterem; a quinta era de montaria, para espiar e descobrir os gentios. Fiam-se estes soldados unicamente no fogo, de sorte que nem espada levavam. Estas canoas, exceto a de montaria, se costumavam dividir pela vanguarda e retaguarda; e se a tropa que acompanha é muito grande, se põe também pelo centro, para acudirem com prontidão à parte atacada.” (Relação da viagem que fez o conde de Azambuja, D. Antonio Rolim, da cidade de S. Paulo Para a Vila de Cuiabá em 1751.In Relatos Monçoeiros)
Canoa de montaria – Ilustração capa do livro - Curumim sem nome – Lázaro de Godoy
‘(...) Desta demora me servi para fazer exercício aos soldados (...) Suposto, pois, o que tenho dito, me preveni para os receber da forma seguinte. Mandei por leste e desembaraçada três canoas, mandando tirar delas tudo o que podia servir de algum impedimento aos soldados para qualquer ação, ou de fogo, ou de mão. Em segundo, que haviam fazer a vanguarda e retaguarda; mandei meter dezoito homens em cada uma. Os primeiros comandados pelo capitão, os segundos pelo tenente; estes estavam em duas fileiras, e os dividi em três pelotões de vanguarda e retaguarda; porém na ordem do fogo, mandava para o conservar melhor, dar separadamente fogo primeiro à retaguarda e desta maneira fazia dos três pelotões seis fogos; porque ainda que pareça muito pouco três armas para um fogo, o não é para estes inimigos, os quais, vendo a continuação fogo e perdendo alguns dos seus, ainda que poucos, é o que basta para aterrorizar e fazer fugir. Na terceira, que havia de ir no centro de toda a tropa, mandei montar uma pecinha de amiudar que havia trazido do rio de janeiro, a qual ficava também na canoa, que fazia fogo sobre um e outro bordo, sem embaraçar de nenhum modo a marcha. Esta canoa entreguei logo ao alferes com 11 homens. Nesta forma os exercitei até ficarem hábeis e prontos.” (Relação da viagem que fez o conde de Azambuja, D. Antonio Rolim, da cidade de S. Paulo Para a Vila de Cuiabá em 1751.In Relatos Monçoeiros).
Canoa de montaria no baixo Taquari /pantanal (atualidade)
A pratica de enviar um comboio militar para acompanhar e proteger as monções, perdurou por logo tempo, pois registra-se o fato ainda em 1801.
“A 17 de abr.° chegou a Povoação de Albuquerque o socorro inviado desta Villa ... No dia 20 fes este Comd.e marchar os destacamentos para os presidios, e no dia 21 expedio para a fazenda Camapoam o guia Joze de Arruda Botelho, a fazer recolher para esta Capitania as munçõens que vinhão de São Paulo, retardadas na dita fazenda por causa da guerra.” (João dos Santos Fer.a de Sá. Annais do Sennado de Cuiabá. 1801)
Entre 1826 e 1829, o artista plástico Hercules Florence quando participou da expedição do Conde de Langsdorf, registrou a partida no porto Geral de Cuiabá, de uma monção militar que tinha a missão de combater os nativos que ainda causavam problemas aos navegantes fluviais.
Desenho de Hercules Florence. Porto de Cuiabá - saída da Monção militar de combate aos nativos
O forte de Miranda e o quartel de Camapuã
Após a implantação do forte de Coimbra, foi fundado em 1797 o forte de Miranda sendo Francisco Rodrigues do Prado, antigo comandante do Presídio de Coimbra, o militar responsável pelo comando e construção das primeiras obras de defesa.
Em 1811 o Sargento-mor José Antônio Teixeira Cabral (Sargento-Mor Cabral), engenheiro correspondente do Real Arquivo Militar da Coroa Portuguesa, militar de alta patente, pertencente a força regular designada a combater nas fronteira de Mato Grosso, assumiu o comando geral dos estabelecimentos militares da fronteira, do presídio de Miranda e do Forte Coimbra.
Em 1812 o quartel de Camapuã foi anexo ao forte de Miranda, passando o Sargento-mor Cabral a assumir seu comando.
“...recebi o ofício de dezoito de setembro em que Vossa Excelência determina que Camapuã fique anexo ao comando deste presídio.[Miranda]” (Carta do sargento-mor José Antônio Teixeira Cabral ao governador e capitão-general da capitania de Mato Grosso 1812.)
Neste período a monções comerciais se restringiam apenas ao transporte de materiais pesados que não tinham condições de alcançar Cuiabá no lombo das tropas de muares. A Rota das Monções desde os idos de 1800 foi movimento de expedições militares, que transportavam peças de artilharia, armas e munições para abastecer os postos de defesa da fronteira.
No rio Coxim, quando da passagem pela cachoeira Avanhandava-assu, hoje conhecida como cachoeira do Quatro-pé, enquanto as cargas eram varadas por terra e as canoas descidas em cordas em meio as águas turbulentas, haviam um escriba que escrevia na pedra, a passagem de cada real expedição, apontando a data o cabo (comandante) de cada uma. É o sítio histórico hoje conhecido como “pedra-do-letreiro-monçoeiro”, situado na Unidade de Conservação Coxim Rio Cênico Rotas Monçoeiras.
Na pedra do letreiro, de forma bem visível, consta a inscrição de uma expedição realizada pelo Sargento-mor Cabral.
Registro de expedições - Letreiro Monçõeiro
Registro da expedição do Sargento-Mor Cabral - Pedra do Letreiro Monçõeiro
Em razão do iminente conflito entre o Império Brasileiro e o Império Espanhol, pela disputa do território Mato-grossense, houve mobilização de contingentes de civis, compostos por brancos, negros, pardos e nativos que auxiliam os quarteis em diversas atividades profissionais, bem como no transporte de material bélico, gêneros alimentícios e tropas pelos rios da Rota Monçoeira, através dos pantanais.
Batelão de transporte de cargas com nativos, soldados e brancos – 1828.
A partir de 1856, com a abertura da navegação pelo rio Paraguai, através do acordo firmado com o governo do Paraguai, os portos fluviais do pantanal entraram em frenético movimento de importação e exportação de mercadorias, principalmente o porto do rio Coxim, que mantinha ligação direta, por estrada com o sertão dos Garcia, Goiás, o sertão de Vacaria e com Santanna do Paranaíba que se interligava ao interior de São Paulo.
Foi então que em 1862, o governo imperial brasileiro, vendo a necessidade de melhorar as defesas na fronteira, resolveu-se criar o Povoado chamado de Núcleo Colonial Beliago, próximo a confluência do rio Coxim com o Taquari e ao mesmo tempo construir um quartel que de forma estratégica pudesse defender a região. O projeto não chegou a ser concluído, pois em 1864 o local foi invadido pela tropa paraguaia que queimou o pouco que havia sido construído.
Terminada a guerra, a partir de 1872 o povoado começa novamente a se desenvolver.
O 47º Batalhão de Infantaria
Após 114 anos da primeira tentativa de estruturar um unidade militar n região da confluência do rio Coxim, finalmente em 1975 foi criado o 47º Batalhão de Infantaria, sendo o mesmo, inaugurado em 1976. Inicialmente recebeu a alcunha de "Guerreiro Pantaneiro", por sua localização estratégica junto ao portal do pantanal.
Em 1976 e 1977, a unidade militar atuou na fiscalização ambiental do rio Taquari e região, atuando fortemente no combate a caça ilegal, mormente a caça ao jacaré e a pesca predatória. Com a criação do novo estado de Mato Grosso do Sul, a equipe de militares do 47º BI que atuava na fiscalização ambiental, foi convidada a integrar o novo órgão ambiental do Estado, formando a base estrutural do então denominado INAMB – Instituto de Preservação e Controle Ambiental.
No ano de 2016, o batalhão recebeu a denominação histórica de “Batalhão Sertanista Domingos Gomes Beliago”, solidificando a relação com a cidade conhecida nacionalmente como a terra do Pé-de-Cedro. Desde sua fundação, a unidade militar sempre manteve boa relação com a comunidade local, participando intensivamente em diversas atividades locais.
Em 1998 quando intensificaram as atividades do Programa Rota das Monções, o 47º BI prontamente buscou dar apoio a realização das expedições monçoeiras e dos seminários de sensibilização realizados na região, através do Consorcio Intermunicipal da Bacia Hidrográfica do Taquari - COINTA. Ao longo de alguns anos, tiveram participação ativa nas expedições eco-monçoeiras e nas expedições precursoras da Rota das Monções, o sargento Antônio Alves de Souza, o cabo Rogerio Franco e o Cabo Barreto como guias práticos das expedições, pois como membros da comunidade local, cresceram as voltas com navegação fluvial dos rios Coxim e Taquari.
Dentre as varias expedições realizadas, consta a 3ª expedição precursora (foto), responsável pelo levantamento de pontos históricos da rota das monções no rio Taquari, no trecho Coxim / Corumbá / Coxim. A expedição era composta pelos 3 coordenadores do Programa, José Francisco de Paula Filho, Nilo Peçanha Coelho Filho e Henrique de Melo Spengler, pela equipe do 47º BI, Sargento Antônio, Cabo Franco e Cabo Barreto, e o cabo PM Feitosa, da Policia Militar Ambiental. A foto tirada em 2000 mostra a equipe do projeto realizando ação cívico social com os antigos moradores da Fazenda Caronal.
Na atualidade, na realização de uma incursão dentro do Projeto de Resgate do Patrimônio Cultural da Rota das Monções, dentre os convidados a participarem da expedição, estava o comandante do 47º BI, Tenente Coronel de Infantaria Wanderlino Moreno Júnior, entusiasta e fomentador de atividades relacionadas a conservação do patrimônio cultural de nossa região.
Fica aqui registrado seu discurso radiofônico em prol da causa monçoeira:
“A historia dos monçoeiros pode ser revivida em Coxim por meio do projeto Rota das Monções. Tive a oportunidade de vivenciar parte desta experiência ao navegar nas aguas que em 1727 permitiram a chega de monçoeiros em nossa região. Uma oportunidade de entender melhor as dificuldades e perigos e valorizar a determinação dos desbravadores que avançaram nas terras desconhecidas, tendo claro a busca por riquezas. Não podemos esquecer que a politica capitalista vivida naquele momento histórico era o mercantilismo com viés metalista. O estudo da história e a sua vivencia por meio do projeto Rota das Monções permite a construção de uma visão holística sobre o papel dos monçoeiros. O melhor entendimento sobre seus erros e acertos. Coxim possui essa rica história guardada nas aguas e margens do rio Taquari e no rio Coxim. Caro ouvinte, aproveite para conhecer mais sobre a historia de sua região, da sua cidade e de seu povo. Isso é prova de civismo. Parabéns a todos que integram os esforços de manutenção da história regional.”(TC Wanderlino Cmt do 47º BI – 2022)
Rota das Monções: “uma alavanca para o desenvolvimento sustentável fundamentado na história do Brasil”
“Projeto Resgate, Promoção e Valorização do Patrimônio Cultural da Rota das Monções. Fundo Estadual de Defesa e de Reparação de Interesses Difusos Lesados – FUNLES / OSC Espaço Manancial/ Salt Media”.
Rota das Monções: "Se o Brasil nasceu na Bahia, o Brasil cresceu por aqui.”
Saiba mais sobre as Monções:
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