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A ONÇA PINTADA NA ROTA DAS MONÇÕES ONTEM E HOJE

Foto do escritor: J. F. de Paula F.J. F. de Paula F.


Desde 1718 quando se principiou a ocupação da região de Cuiabá, entre os muitos perigos encontrados por aqueles que partiam do porto de Araraitaguaba (hoje Porto Feliz-SP), para as minas de ouro na baixada Cuiabana, as onças pintadas existentes nos sertões, eram uma das grandes preocupações para os navegantes.


“Entrado o anno de 1720, fizeram viagem para estas minas algumas gentes divididas em diversos comboios, (...) Padeceram grandes destroços, perdições de canôas nas cachoeiras por falta de pilotos e praticos, que ainda então não havia, mortandades de gentes por falta de mantimentos, doenças, comidas das onças, e outras muitas misérias(...) Correndo o anno de 1722 chegou monção de povoado com maior destroço do que a passada, morrendo innumeraveis pessoas a fome e peste e comidas das onças, cujos corpos eram achados pelos que vinham posteriormente, assim como as fazendas podres, as canôas largadas pelas margens dos rios, e outros mortos dentro dos ranchos nas mesmas redes em que se haviam deitado”(Annais do Sennado da Câmara de Cuiabá).


Muitos aventureiros que se deslocavam em comboio, ao deixarem a segurança do grupo formado por muitas pessoas, sozinhas e indefesas, foram vítimas desses ferozes predadores.


“Rio Camapoão-Mirim abaixo – No mesmo dia, quinta-feira, se achou menos tropa João Francisco cozinheiro de S. Exc.a que saltando em terra a buscar uma faca que lhe tinha esquecido com tenção a pé seguindo pela margem do rio a canoa até o sítio, onde pousasse a tropa, não apareceu até o presente e se entende que ou se perdeu no mato, ou foi pasto de alguma onça”. (Relação verdadeira da derrota e viagem, que fez da cidade de São Paulo para as minas do Cuiabá o Exmo. Sr. Rodrigo César de Meneses governador e Capitão General da Capitania de São Paulo - 1726).


No trajeto Fluvial de 3.600 km, avistamentos e rastos de onças eram frequentes em quase todos os cursos de água. Alguns relatos falam do rio Tietê, outros do Pardo, do Camapuã, do Coxim, do rio Taquari, mas os campeões de avistamentos eram o rio São Lourenço, então chamado de rio dos Porrudos e o rio Cuiabá.


“ Segundo Ordonhes (...) No São Lourenço e Cuiabá encontrava-se abundantíssima fauna. No primeiro destes rios, corrobora Cabral Camelo, ocorria tanta caça quanto as margens do Paraguai. Abundava aquele sertão em pintadas a cujos ataques se devia a morte de alguns homens das monções.” (TAUNAY – Relatos Monçoeiros)


Quando o governador da Capitania de São Paulo, em 1726 deslocou-se para as recém-descobertas minas de Cuiabá, registrou alguns avistamentos ao longo do trajeto, mas com maior intensidade, citou os felinos presentes nas margens rio São Lourenço.


“Rio Porrudos acima – è este rio muito caudaloso e espaçoso, alegre e abundante de caça e pescaria, não faltam nele onças e desta avistamos três (nas) praias e rasto de outras muitas”(Gervásio Leite Rebello - Relato da viagem do Capitão General Rodrigo Cézar de Meneses – 1726).


A expedição monçoeira do governador, composta por mais de 300 canoas transportava mais de 3.000 pessoas. Imagine a algazarra e a barulheira feita por tão grande contingente humano. Mesmo assim, apesar do barulho e da bulha, as onças eram avistadas. Normalmente diante da presença e do barulho de seres humanos, os felinos procuram esconder-se no interior da mata. O fato de ocorrer tantos avistamentos, é sem sombra de dúvidas, a existência de grande quantidade de espécimes na região.


“Este rio dos Porrudos (atual São Lourenço) não cede ao Paraguay na abundancia de peixe (...) é também muito abundante de caça, e nele não faltam onças, que tem feito algumas mortes.” (Capitão João Antônio Cabral Camello – 1727).


A partir dos primeiros achados de ouro na bacia do rio Cuiabá, grupos de homens de todas as idades, condição e profissão deixaram suas casas, suas roças, seus comércios e atividades, deslocando-se para as minas. A fama das riquezas dos veios auríferos em Cuiabá acabou por atrair “bandos de aventureiros” (SAINT-HILAIRE), totalmente despreparados para a vida nos brutos sertões. Com o passar dos anos, o convívio com os nativos da terra, aprenderam a viver, absorvendo as técnicas de diversas etnias, principalmente quanto a pescar e caçar.


“Entrado o anno de 1720, fizeram viagem para estas minas algumas gentes (...) Não sabiam ainda pescar, nem caçar, (...) muitos annos depois foram a experiencia e a necessidade ensinando todas estas cousas.” (Annais do Sennado da Câmara de Cuiabá).


Com o convívio prolongado com os nativos da etnia Guató, dominaram as técnicas de navegação nos pantanais, da pesca com flechas e lanças, a confecção de canoas e principalmente a caçada de onças com zagaias e cães. O povo Guató, nativos canoeiros que vivam nos pantanais, eram exímios caçadores de onças. Dizem que o ritual de passagem dos adolescentes para a vida adulta era uma caçada de onça pintada com uma zagaia. Muitos jovens Guató perderam a vida nesses rituais. Era regra entre os nativos que a cada onça morta por um guerreiro, dava-lhe o direito de ter mais uma esposa. Os habitantes da baixada Cuiabana logo dominaram o método de caça de onça pintada com cães e zagaias.


A partir de então, a caça a onças e ariranhas, que eram abundantes na região, tomou caráter comercial, pois muitos moradores se especializaram na venda de couros desses animais. O alto preço de venda desses couros em São Paulo, Rio de Janeiro e Europa, movimentou a economia tanto em Cuiabá quanto em Porto Feliz, durante muitos anos. Os pesquisadores Spix e Martius, na segunda década de 1800, registraram esse intenso comercio.

“Quando ainda florescia o comércio no Tietê, despachava-se por esse caminho, para Cuiabá e Mato Grosso, armas, panos, tecidos tintos de algodão e brancos, louça de barro e vidro, sal e todos os demais artigos europeus. O carregamento de retorno consistia em óleo de copaíba, feijões pichurim, tamarindos, resinas, cera, guaraná, pó de ouro e peles, especialmente de lontra e de onça.”(SPIX e MARTIUS – Viagem pelo Brasil – 1817-1820)


Com o declínio da navegação pela rota das monções e a queda dos preços na venda de peles de animais selvagens, a atividade de caça as onças para a venda de peles, diminuiu drasticamente. Com a queda da exploração do ouro, a pecuária que havia se espalhado no entorno das regiões mineradoras, ganhou destaque econômico, aumentando a procura e a exportação do couro bovino.


“Criação de gado é a mais importante ocupação dos habitantes. Cada fazendeiro possui, segundo a extensão de sua fazenda, algumas centenas, duas mil e mesmo até quarenta mil cabeças de gado, que todas andam à solta nos campos. Numa propriedade de duas léguas quadradas de bom pasto, em geral, calcula-se que se criam umas três a quatro mil cabeças (...) A pele é sempre a mais preciosa parte na matança do gado; esfolado o animal, é a pele estendida no chão, por meio de curtas estacas, salgada e seca ao sol. (SPIX e MARTIUS – Viagem pelo Brasil – 1817-1820)


Com a intensificação da criação de gado nas áreas de planalto e nos pantanais, o grande número de onças existentes, atacando os rebanhos, passou a ser um problema para os grandes fazendeiros. Surgiu então a figura do profissional ou especialista em matar onças. A atividade dos antigos coureiros de animais silvestres foi substituída por caçadores profissionais contratados pelos produtores rurais que procuravam proteger seus rebanhos.


Houve um caçador da Letônia, que foi considerado o maior caçador profissional de onça do Brasil. Alexandre Sasha Siemel (foto no canto superior esquerdo), na região do São Lourenço, aprendeu a caçar onça pintada com zagaia, com um velho e famoso zagaieiro chamado Joaquim Caetano Guató. Sacha Siemel, no período compreendido entre as décadas de 1920 e 1960, deixou registrado em sua biografia, a morte de mais de 300 onças, sendo 31 delas com zagaia, 14 com arco Guató e o restante com armas de fogo. O extermínio dos felinos não ficou só nestes números, pois guiando caçadores internacionais, ele ajudou a abater mais de 100 onças pintadas.


Sua fama correu mundo a fora, tornando-se um “show man”. Capturava as onças, deixando-as em jaulas e de forma circense, em ambiente previamente preparado, soltava os animais para abatê-lo com uma zagaia, de forma grotesca, em um espetáculo macabro para um seleto publico pagante.


Além de cobrar dos fazendeiros pela eliminação do animal, lucrava com a venda do couro, com seus espetáculos e também como guia em caçadas com famosos internacionais. Em 1935 em Mato Grosso, Sasha caçou com o Brigadeiro General Theodore Roosvel Júnior, filho do presidente americano Theodore Roosvel. Como Sacha, houveram muitos zagaieiros em varias regiões do país.


Com a instituição das leis de proteção ambiental, extinguiram-se os caçadores profissionais, mas a funesta herança cultural de abater onças que atacam criações, ainda persiste. Nos últimos anos a ação dos agentes ambientais tem procurado coibir a caça de animais silvestres. Com o advento das mídias sociais, a partir de publicações de fotos, muitos criminosos tem sido identificados e presos.


Na atualidade, muitos órgãos e instituições dedicadas a proteção da vida animal, tem trabalhado não só em pesquisas sobre o comportamento dos felinos, mas em campanhas de conscientização sobre a importância da vida desses animais.


Hoje na rota das monções no pantanal, principalmente no rio São Lourenço e adjacências, as onças pintadas viraram atração turística internacional. Os visitantes são levados em embarcações leves, para o turismo fotográfico de observação. É o tour fluvial de avistamento de onças, que vivem nos barrancos e praias dos rios e curixos.


As onças, que no passado geravam pânico e terror e posteriormente eram mortas para a extração do couro, hoje posam para fotos, como estrelas no negocio do ecoturismo, sendo capazes de atrair milhares de visitantes, gerando renda para os moradores locais servindo de modelo para a utilização sustentável da fauna e a conservação da biodiversidade. Na foto em destaque, um grupo de turistas hospedados na Pousada Piuval, em Porto Jofre (município de Poconé – MT) observa o acasalamento de onças às margens do rio.


A região de Poconé, desde a descoberta de ouro na baixada Cuiabana, atraiu muitas pessoas em busca do precioso metal. Hoje além da grande quantidade de ouro extraído de seu subsolo, o safari fluvial para a observação de felinos, tornou-se o “ouro” capaz de gerar renda e desenvolvimento.

A observação de pássaros principalmente de aves aquáticos, capivaras, antas, jacarés e onças, como também a observação subaquática de peixes nas regiões alagadas no delta do rio Taquari, tem progressivamente aumentado, em substituição ao tradicional turismo de pesca. È o turismo contemplativo nos rios monçoeiros, que cortam o pantanal.


Conheça a história do Brasil pela Rota das Monções.


“Projeto Resgate, Promoção e Valorização do Patrimônio Cultural da Rota das Monções. Fundo Estadual de Defesa e de Reparação de Interesses Difusos Lesados – FUNLES MS / OSC Espaço Manancial/ Salt Media”.


Rota das Monções: "Se o Brasil nasceu na Bahia, o Brasil cresceu por aqui.”


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